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domingo, 26 de junho de 2016

Informativo 819 STF - 21 de março a 1º de abril de 2016

REPERCUSÃO GERAL

Contribuição previdenciária: instituições financeiras e EC 20/1998
É constitucional a previsão legal de diferenciação de alíquotas em relação às contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários de instituições financeiras ou de entidades a elas legalmente equiparáveis, após a edição da EC 20/1998. Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade do art. 22, § 1º, da Lei 8.212/1991. O preceito impugnado dispõe sobre a contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários a ser paga por bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, considerado o período posterior à aludida emenda constitucional. O Colegiado assinalou que a jurisprudência do STF é firme no sentido de que a lei complementar, para instituição de contribuição social, exigida para os tributos não descritos conforme o disposto no § 4º do art. 195 da CF, não se aplica ao caso, pois a contribuição incidente sobre a folha de salários está expressamente prevista na Constituição (art. 195, I). O art. 22, § 1º, da Lei 8.212/1991 não prevê nova contribuição ou fonte de custeio, mas mera diferenciação de alíquotas. É, portanto, formalmente constitucional. Quanto à constitucionalidade material, a redação do dispositivo em questão traduz o princípio da igualdade tributária, consubstanciado nos subprincípios da capacidade contributiva, aplicável a todos os tributos, e da equidade no custeio da seguridade social. Esses princípios destinam-se preponderantemente ao legislador, pois apenas a lei pode criar distinções entre os cidadãos, dentro dos limites constitucionais. Assim, a escolha legislativa em onerar as instituições financeiras e entidades equiparáveis com alíquota diferenciada, para fins de custeio da seguridade social, revela-se compatível com a Constituição, tendo em vista que as ECs 20/1998 e 47/2005 apenas explicitaram o conteúdo do art. 145, § 1º, da CF, ao indicar critérios pelos quais poderiam ser estabelecidas distinções entre contribuintes. Ademais, não compete ao Judiciário substituir-se ao legislador na escolha das atividades que terão alíquotas diferenciadas relativamente à contribuição indicada no art. 195, I, da CF.

HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo - 1
Nos crimes de sonegação tributária, apesar de a jurisprudência do STF condicionar a persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo, o mesmo não ocorre quanto à investigação preliminar. Os crimes contra a ordem tributária ou de outra modalidade delitiva podem ser tentados e consumados e jamais se entendeu pela impossibilidade da investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes da consumação. Com base nessa orientação, a Primeira Turma julgou extinto o “writ”, sem resolução do mérito. Assentou a inadequação da via processual, por se tratar de “habeas corpus” substitutivo do recurso ordinário constitucional. Porém, concedeu a ordem de ofício para trancar a ação penal no que se refere aos crimes fiscais a envolver apropriação e sonegação de contribuições previdenciárias descontadas de produtores rurais, ao crime de lavagem de dinheiro tendo por antecedente a sonegação dessas mesmas contribuições previdenciárias, e ao crime de sonegação da Cofins pertinente à parte quitada. Afirmou, ainda, a inexistência de prejuízo na continuidade da ação penal em relação ao restante da imputação. Na espécie, durante as investigações, iniciadas para apurar crimes de ordem tributária, foram revelados, fortuitamente, indícios de crimes mais graves, especificamente o de corrupção de agentes públicos para acobertar as atividades supostamente ilícitas. Os pacientes respondem a ação penal por apropriação indébita previdenciária, associação criminosa, falsidade ideológica, corrupção ativa e sonegação de contribuição previdenciária. Além disso, são acusados de omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. Pretendiam a nulidade da investigação porque: a) iniciada a partir de denúncia anônima; b) fora autorizada interceptação telefônica para apurar crimes fiscais sem que houvesse lançamento tributário definitivo; e c) os tributos sonegados seriam, em parte, inválidos, e o remanescente teria sido quitado e parcelado.

HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo - 2
A Turma, de início, reafirmou o entendimento da Corte no sentido de que notícias anônimas não autorizam, por si sós, a propositura de ação penal ou mesmo, na fase de investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de investigação, como interceptação telefônica ou busca e apreensão. Entretanto, elas podem constituir fonte de informação e de provas que não pode ser simplesmente descartada pelos órgãos do Poder Judiciário. Assim, assentou a inexistência de invalidade na investigação instaurada a partir de notícia crime anônima encaminhada ao MPF. Destacou que em um mundo no qual o crime torna-se cada vez mais complexo e organizado, seria natural que a pessoa comum tivesse receio de se expor ao comunicar a ocorrência de delito. Daí a admissibilidade de notícias crimes anônimas. Nas investigações preliminares, ao se verificar a credibilidade do que fora noticiado, a investigação poderia prosseguir, inclusive, se houvesse agregação de novas provas e se preenchidos os requisitos legais, com o emprego de métodos especiais de investigação ou mesmo com a propositura de ação penal, desde que, no último caso, as novas provas caracterizassem justa causa. Elementos probatórios colhidos pelas autoridades policiais teriam constatado a inexistência de registro de bens, imóveis e veículos ou qualquer propriedade em nome dos sócios constantes no contrato social de empresa cujos lançamentos tributários eram expressivos, o que poderia caracterizar não serem os reais proprietários. Na situação dos autos, fora a interceptação telefônica que revelara os indícios da prática de crimes mais relevantes. Não haveria que se falar, portanto, em utilização indevida da notícia crime anônima, cujo tratamento observara a jurisprudência do STF. Ademais, a investigação e a persecução penal teriam prosseguido com base nas provas colacionadas a partir dela e não com fulcro exclusivo nela. De igual forma, as diligências mais invasivas, como a interceptação telefônica, só foram deflagradas após a colheita de vários elementos probatórios que corroboravam o teor da notícia anônima e que, por si só, autorizavam a medida investigatória.

HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo - 3
Quanto ao argumento de nulidade da investigação porquanto iniciada antes da existência de lançamento tributário definitivo, a Turma citou a atual jurisprudência do STF, que condicionaria a persecução por crime contra a ordem tributária à realização do lançamento fiscal. O lançamento definitivo do crédito tributário constituiria atividade privativa da autoridade administrativa e, sem tributo constituído, não haveria como caracterizar o crime de sonegação tributária (HC 81.611/DF, DJU de 13.5.2005). Apesar de a jurisprudência do STF condicionar a persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo, o mesmo não ocorreria relativamente à investigação preliminar. Crimes poderiam ser tentados e consumados e jamais se entendera pela impossibilidade da investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes da consumação. A afirmação seria válida tanto para crimes contra a ordem tributária como para qualquer outra modalidade delitiva. O Colegiado ressaltou que o tema do encontro fortuito de provas no âmbito de interceptação telefônica fora abordado em alguns julgados da Corte. A validade da investigação não estaria condicionada ao resultado, mas sim à observância do devido processo legal. Na espécie, as provas dos crimes de corrupção fortuitamente colhidas no curso da interceptação não pareceriam se revestir de ilicitude, pelo menos no exame que comportam na via estreita do “habeas corpus”, independentemente do resultado obtido quanto aos crimes contra a ordem tributária que motivaram o início da investigação.

HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo - 4
A Turma frisou que os autos não estariam instruídos com cópia dos lançamentos tributários, o que inviabilizaria uma análise precisa da alegada invalidade dos tributos constituídos. Entretanto, em embargos opostos a sequestro incidente na ação penal, o magistrado de primeiro grau teria prolatado sentença a reconhecer a inconstitucionalidade de parte dos valores lançados, com reflexo no sequestro decretado. Ademais, os tributos lançados consistiriam em contribuições descontadas de produtores rurais pessoas físicas e incidentes sobre a receita proveniente da comercialização da produção de gado, tributo este reputado inconstitucional pela Suprema Corte (RE 363.852/MG, DJe de 23.4.2010). Declarados inconstitucionais tributos lançados contra a empresa, estaria afetada, na mesma extensão, a acusação da prática de crimes fiscais. Contudo, remanesceria a validade da Cofins lançada, o que não acarretaria prejuízo para a imputação de sonegação para esse crime, visto não ter sido apresentada prova inequívoca de que o remanescente fora pago ou parcelado. De todo modo, o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial das contribuições rurais lançadas e a quitação total ou parcial da Cofins atingiriam apenas a imputação pelos crimes tributários, e não os demais crimes objeto da denúncia, entre eles corrupção. Ao tempo da autorização da interceptação telefônica, não existiriam os fatos extintivos das obrigações tributárias. Embora o julgamento de inconstitucionalidade pelo STF no RE 363.852/MG fosse com efeitos retroativos, não significaria que a autorização para a interceptação tivesse sido arbitrária, porque baseada em lançamentos tributários tidos como hígidos e válidos. De igual forma, a quitação posterior do tributo afetaria a pretensão punitiva, mas não atingiria retroativamente a validade dos atos de investigação praticados anteriormente. Prejudicada, ainda, a persecução penal no tocante à sonegação dos tributos supervenientemente tidos como inválidos ou dos tributos quitados em momento posterior, mas sem afetação necessária do restante da imputação, que inclui crimes de quadrilha e corrupção. Também prejudicada a imputação do crime de lavagem de dinheiro no que se refere à suposta ocultação e à dissimulação das contribuições previdenciárias reputadas inconstitucionais. Afinal, se o crime antecedente é insubsistente, não poderia haver lavagem.

Fonte: STF

sábado, 25 de junho de 2016

Informativo 579 STJ - 17 de março a 1º de abril de 2016

Sexta Turma

DIREITO PENAL. PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA EM EXECUÇÃO FISCAL E TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.
O reconhecimento de prescrição tributária em execução fiscal não é capaz de justificar o trancamento de ação penal referente aos crimes contra a ordem tributária previstos nos incisos II e IV do art. 1° da Lei n. 8.137/1990. Isso porque a constituição regular e definitiva do crédito tributário é suficiente para tipificar as condutas previstas no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/1990, não influindo o eventual reconhecimento da prescrição tributária. De fato, são independentes as esferas penal e tributária. Assim, o fato de ter escoado o prazo para a cobrança do crédito tributário, em razão da prescrição - fato jurídico extintivo do crédito tributário -, não significa que o crime tributário não se consumou, pois a consumação dos delitos de sonegação fiscal se dá por ocasião do trânsito em julgado na esfera administrativa. É dizer, uma vez regular e definitivamente constituído o crédito tributário, sua eventual extinção na esfera tributária, pela prescrição (art. 156 do CTN), em nada afeta o jus puniendi estatal, que também resta ileso diante da prescrição para a ação de cobrança do referido crédito (art. 174 do CTN). Precedente citado do STJ: AgRg no AREsp 202.617-DF, Quinta Turma, DJe 16/4/2013. Precedente citado do STF: HC 116.152-PE, Segunda Turma, DJe de 7/5/2013. RHC 67.771-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/3/2016, DJe 17/3/2016.

DIREITO PENAL. TIPICIDADE DA OMISSÃO NA APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO AO FISCO.
A omissão na entrega da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) consubstancia conduta apta a firmar a tipicidade do crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, ainda que o FISCO disponha de outros meios para constituição do crédito tributário. O crime de sonegação fiscal, na modalidade do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/1990, prescinde de fraude ou falsidade, já que, pela leitura do dispositivo, é possível deduzir que a simples omissão, apta a acarretar a supressão ou redução de tributo, revela-se suficiente, em tese, para a prática do crime ("Art. 1° - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias"). Essa omissão pode ser uma simples informação constante de uma declaração ou até mesmo da declaração em si; se a omissão atingir o resultado almejado pelo agente (supressão ou redução de tributo), o crime estará consumado. Ora, a constituição do crédito tributário, por vezes, depende de uma obrigação acessória do contribuinte, como declarar um fato gerador da obrigação tributária (lançamento por declaração). Se o contribuinte não realiza esse ato com vistas a não pagar o tributo devido, certamente comete o mesmo crime daquele que presta informação incompleta. De fato, não há lógica em punir quem declara, mas omite informação, e livrar aquele que sequer cumpre a obrigação de declarar. Nesse sentido, inclusive, há precedentes do STJ (AgRg no REsp 1.252.463-SP, Quinta Turma, DJe 21/10/2015). Ressalte-se, contudo, que essa assertiva não implica dizer que a simples omissão em apresentar uma declaração seja suficiente para a consumação do crime de sonegação fiscal, pois é imprescindível que exista o dolo do agente de não prestar declaração com vistas a suprimir ou reduzir determinado tributo e que o resultado almejado tenha sido efetivamente alcançado (crime material). Ademais, não há que se falar em atipicidade da conduta em decorrência da circunstância de o FISCO ter arbitrado o valor do tributo devido mesmo na falta da declaração. Isso porque o FISCO sempre possuirá meios de apurar o valor do tributo devido ante a omissão do contribuinte em declarar o fato gerador. O motivo disso é óbvio: o sistema tenta evitar a evasão fiscal. Se esse mecanismo existe, isso não quer dizer que a omissão do contribuinte é atípica. Na realidade, o arbitramento efetivado pelo FISCO para constituir o crédito tributário, ante a omissão do contribuinte em declarar o fato gerador, é uma medida para reparar o dano causado pela omissão, sendo uma evidência de que a conduta omissiva foi apta a gerar a supressão ou, ao menos, a redução do tributo na apuração. REsp 1.561.442-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/2/2016, DJe 9/3/2016.

Fonte: STJ

Informativo 818 STF - 14 a 18 de março de 2016

CLIPPING DO DJE

14 a 18 de março de 2016

ADI N. 3.278-SC
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS. TAXAS. CUSTAS E EMOLUMENTOS JUDICIAIS. LEI COMPLEMENTAR 156/97 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. DIREITO DE PETIÇÃO. OBTENÇÃO DE CERTIDÕES EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS, PARA DEFESA DE DIREITOS OU ESCLARECIMENTO DE SITUAÇÕES DE INTERESSE PESSOAL. ART. 5º, XXXIV, “B”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO.
1. Viola o direito de petição previsto no art. 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal, a exigência de recolhimento de taxa para emissão de certidão em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, porquanto essa atividade estatal está abarcada por regra imunizante de natureza objetiva e política. Precedente: ADI 2.969, de relatoria do Ministro Carlos Britto, DJe 22.06.2007.
2. A imunidade refere-se tão somente a certidões solicitadas objetivando a defesa de direitos ou o esclarecimento de situação de interesse pessoal, uma vez que a expedição de certidões voltadas à prestação de informações de interesse coletivo ou geral (art. 5º, XXXIII) não recebe o mesmo tratamento tributário na Carta Constitucional.
3. Ação direta de inconstitucionalidade a que se dá parcial procedência, para fins de declarar a nulidade do dispositivo, sem redução de texto, de toda e qualquer interpretação do item 02 da Tabela VI da Lei Complementar 156/97, do Estado de Santa Catarina, a qual insira no âmbito de incidência material da hipótese de incidência da taxa em questão a atividade estatal de extração e fornecimento de certidões administrativas para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

ADI N. 4.259-PB
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. INCENTIVO FISCAL. ESPORTES. AUTOMOBILISMO. IGUALDADE TRIBUTÁRIA. PRIVILÉGIO INJUSTIFICADO. IMPESSOALIDADE. LEI 8.736/09 DO ESTADO DA PARAÍBA. PROGRAMA “ACELERA PARAÍBA”. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
1. A Lei estadual 8.736/2009 singulariza de tal modo os beneficiários que apenas uma única pessoa se beneficiaria com mais de 75% dos valores destinados ao programa de incentivo fiscal, o que representa evidente violação aos princípios da igualdade e da impessoalidade.
2. A simples fixação de condições formais para a concessão de benefício fiscal não exime o instrumento normativo de resguardar o tratamento isonômico no que se refere aos concidadãos. Doutrina. Precedentes.
3. Ação direta de inconstitucionalidade procedente.

ADI N. 3.278-SC
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS. TAXAS. CUSTAS E EMOLUMENTOS JUDICIAIS. LEI COMPLEMENTAR 156/97 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. DIREITO DE PETIÇÃO. OBTENÇÃO DE CERTIDÕES EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS, PARA DEFESA DE DIREITOS OU ESCLARECIMENTO DE SITUAÇÕES DE INTERESSE PESSOAL. ART. 5º, XXXIV, “B”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO.
1. Viola o direito de petição previsto no art. 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal, a exigência de recolhimento de taxa para emissão de certidão em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, porquanto essa atividade estatal está abarcada por regra imunizante de natureza objetiva e política. Precedente: ADI 2.969, de relatoria do Ministro Carlos Britto, DJe 22.06.2007.
2. A imunidade refere-se tão somente a certidões solicitadas objetivando a defesa de direitos ou o esclarecimento de situação de interesse pessoal, uma vez que a expedição de certidões voltadas à prestação de informações de interesse coletivo ou geral (art. 5º, XXXIII) não recebe o mesmo tratamento tributário na Carta Constitucional.
3. Ação direta de inconstitucionalidade a que se dá parcial procedência, para fins de declarar a nulidade do dispositivo, sem redução de texto, de toda e qualquer interpretação do item 02 da Tabela VI da Lei Complementar 156/97, do Estado de Santa Catarina, a qual insira no âmbito de incidência material da hipótese de incidência da taxa em questão a atividade estatal de extração e fornecimento de certidões administrativas para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

ADI N. 4.259-PB
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. INCENTIVO FISCAL. ESPORTES. AUTOMOBILISMO. IGUALDADE TRIBUTÁRIA. PRIVILÉGIO INJUSTIFICADO. IMPESSOALIDADE. LEI 8.736/09 DO ESTADO DA PARAÍBA. PROGRAMA “ACELERA PARAÍBA”. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
1. A Lei estadual 8.736/2009 singulariza de tal modo os beneficiários que apenas uma única pessoa se beneficiaria com mais de 75% dos valores destinados ao programa de incentivo fiscal, o que representa evidente violação aos princípios da igualdade e da impessoalidade.
2. A simples fixação de condições formais para a concessão de benefício fiscal não exime o instrumento normativo de resguardar o tratamento isonômico no que se refere aos concidadãos. Doutrina. Precedentes.
3. Ação direta de inconstitucionalidade procedente.

Fonte: STF

Informativo 578 STJ - 3 a 16 de março de 2016

Primeira Turma

DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO CREDITAMENTO DE IPI.
Apenas com a vigência da Lei n. 9.779/1999, surgiu o direito ao creditamento do IPI decorrente da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na fabricação de produtos isentos ou sujeitos ao regime de alíquota zero. O STF, ao julgar o RE 562.980-SC (Tribunal Pleno, DJe 4/9/2009), submetido ao rito do art. 543-B do CPC, firmou o entendimento no sentido de que a "ficção jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI que a antecedeu". REsp 811.486-RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/2/2016, DJe 8/3/2016.

Fonte: STJ

Informativo 817 STF - 7 a 11 de março de 2016

Não houve publicação relacionada ao Direito Tributário/Financeiro.

Fonte: STF

Informativo 577 STJ - 20 de fevereiro a 2 de março de 2016

Recursos Repetitivos

DIREITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS EM JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 454.
Não são dedutíveis da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS o valor destinado aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio, na vigência da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003. Inicialmente, destaca-se, para fins tributários, que a única semelhança entre "juros sobre capital próprio" com "lucro" ou "dividendos" é o fato deles serem destinações do lucro líquido. Isso porque o tratamento legislativo que esses institutos recebem é distinto, o que evidencia a diferença de natureza jurídica entre eles. Por um lado, verifica-se que os lucros ou dividendos: (a) não estão sujeitos ao imposto de renda na fonte pagadora nem integram a base de cálculo do imposto de renda de beneficiário (art. 10 da Lei n. 9.249/1995); (b) não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do imposto de renda); (c) obedecem necessariamente ao disposto no art. 202 da Lei n. 6.404/1976 (dividendo obrigatório); (d) têm limite máximo fixado apenas no estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros não destinados, nos termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/1976; e (e) estão condicionados apenas à existência de lucros (arts. 198 e 202 da Lei n. 6.404/1976). Por outro lado, observa-se que os juros sobre capital próprio: (i) estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte na data do pagamento de crédito a beneficiário (art. 9º, §2º, da Lei n. 9.249/1995); (ii) quando pagos, são dedutíveis do lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/1995); (iii) podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito de a sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202 da Lei n. 6.404/1976); (iv) têm como limite máximo a variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/1995); e (v) estão condicionados à existência de lucros no dobro do valor dos juros a serem pagos ou creditados (art. 9º, §1º, da Lei n. 9.249/1995). Desse modo, ainda que se diga que os juros sobre o capital próprio não constituam receitas financeiras, não é possível simplesmente classificá-los, para fins tributários, como "lucros e dividendos", de modo que não incidem o art. 1º, § 3º, V, "b", da Lei n. 10.637/2002 e o mesmo dispositivo da Lei n. 10.833/2003. Ademais, não é possível invocar a analogia a fim de alcançar eventual isenção de crédito tributário (art. 111 do CTN), pois a exclusão dos juros sobre capital próprio (categoria nova e autônoma) da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS dependeria de previsão explícita, a exemplo do que existe para o imposto de renda (art. 9º da Lei n. 9.249/1995). Ocorre, aliás, justamente o contrário, na medida em que não faltam exemplos na legislação tributária de situações em que a inclusão desses valores na base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS é reafirmada (art. 1º da Lei n. 10.637/2002; art. 1º da Lei n. 10.833/2003; art. 1º do Decreto n. 5.164/2004; art. 1º, parágrafo único, I, do Decreto n. 5.442/2005; art. 30, parágrafo único, da Instrução Normativa SRF n. 11/1996). Inclusive, a esse respeito, é indiferente a classificação contábil dada pela CVM (Deliberação CVM n. 207, de 13/12/1996), porquanto, além de não poder suplantar decreto do Chefe do Poder Executivo, esse órgão não tem competência para expedir normas complementares em matéria tributária, atribuição essa exercida pela SRF. Registre-se, por oportuno, que essas conclusões não estão de modo algum em conflito com as razões que fundamentaram o REsp 1.373.438-RS (Segunda Seção, DJe 17/6/2014), julgado sob o rito dos recursos repetitivos, no qual, após investigado o instituto "juros sobre o capital próprio", concluiu-se pela sua natureza jurídica sui generis. Na ocasião, foi afirmado que, ontologicamente, os juros sobre capital próprio são parcela de lucro a ser distribuída aos acionistas e, apenas por ficção jurídica, a lei tributária passou a considerá-los juros. Pois bem, em que pese o art. 110 do CTN vedar que legislação tributária altere a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias, tem-se que os juros sobre capital próprio não são instituto utilizado pelas Constituições Federal ou Estaduais, ou por Lei Orgânica. Além disso, não se trata de instituto exclusivo de direito privado, porque teve origem na própria legislação tributária, especificamente no art. 43, § 1º, "e", do Decreto-Lei n. 5.844/1943 (Dispõe sobre a cobrança e fiscalização do imposto de renda). Nessa ordem de ideias, tratando-se de instituto híbrido de Direito Tributário e Direito Empresarial, criado já no âmbito do imposto de renda como receita tributável, a legislação tributária é apta a definir seu conteúdo e alcance. Por fim, indubitavelmente, compõem o conceito maior de receitas auferidas pela pessoa jurídica, base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS, não havendo exclusão tributária específica para essa rubrica. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp 983.066-RS, Primeira Turma, DJe 11/3/2011; REsp 1.212.976-RS, Segunda Turma, DJe 23/11/2010. REsp 1.200.492-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 22/2/2016.

Quinta Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL DE PROVAS OBTIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
Os dados bancários entregues à autoridade fiscal pela sociedade empresária fiscalizada, após regular intimação e independentemente de prévia autorização judicial, podem ser utilizados para subsidiar a instauração de inquérito policial para apurar suposta prática de crime contra a ordem tributária. De fato, a Primeira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.134.665-SP (DJe 18/12/2009), submetido ao rito do art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei n. 8.021/1990 e pela LC n. 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata. Contudo, conquanto atualmente o STJ admita o intercâmbio de informações entre as instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição de crédito tributário, o certo é que tal entendimento não se estende à utilização de tais dados para que seja deflagrada a persecução penal. Isso porque, como é cediço, o sigilo bancário é garantido no art. 5º da CF, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada (art. 93, IX). Na hipótese, todavia, consta do termo de constatação, retenção e intimação, firmado por auditor fiscal da Receita Federal, que a sociedade empresária apresentou diversas notas fiscais e cópias dos extratos bancários das contas por ela movimentadas após ser regularmente intimada. RHC 66.520-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 2/2/2016, DJe 15/2/2016.

Fonte: STJ

Informativo 816 STF - 29 de fevereiro a 4 de março de 2016

Não houve publicação de matéria relacionada ao Direito Tributário/Financeiro.

Fonte: STF

Informativo 815 STF - 22 a 26 de fevereiro de 2016

PLENÁRIO

Sigilo e fiscalização tributária - 4
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, reputou improcedentes os pedidos formulados em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de normas federais que possibilitam a utilização, por parte da fiscalização tributária, de dados bancários e fiscais acobertados por sigilo constitucional, sem a intermediação do Poder Judiciário (LC 104/2001, art. 1º; LC 105/2001, artigos 1º, § 3º e 4º, 3º, § 3º, 5º e 6º; Decreto 3.724/2001; Decreto 4.489/2002; e Decreto 4.545/2002) — v. Informativo 814. A Corte afirmou que, relativamente à alegação de inconstitucionalidade da expressão “do inquérito ou”, contida no § 4º do art. 1º da LC 105/2001, a norma impugnada não cuidaria da transferência de informações bancárias ao Fisco, questão que estaria no cerne das ações diretas. Tratar-se-ia de norma referente à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito há muito se admitiria a quebra de sigilo bancário, quando presentes indícios de prática criminosa (AC 3.872 AgR/DF, DJe de 13.11.2015; HC 125.585 AgR/PE, DJe de 19.12.2014; Inq 897 AgR/DF, DJU de 24.3.1995). No que tange à impugnação dos artigos 5º e 6º da LC 105/2001, ponto central das ações diretas de inconstitucionalidade, haveria que se consignar a inexistência, nos dispositivos combatidos, de violação a direito fundamental, notadamente de ofensa à intimidade. Não haveria “quebra de sigilo bancário”, mas, ao contrário, a afirmação desse direito. Outrossim, seria clara a confluência entre os deveres do contribuinte — o dever fundamental de pagar tributos — e os deveres do Fisco — o dever de bem tributar e fiscalizar. Esses últimos com fundamento, inclusive, nos mais recentes compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesse sentido, para se falar em “quebra de sigilo bancário” pelos preceitos impugnados, necessário seria vislumbrar, em seus comandos, autorização para a exposição das informações bancárias obtidas pelo Fisco. A previsão de circulação dos dados bancários, todavia, inexistiria nos dispositivos questionados, que consagrariam, de modo expresso, a permanência no sigilo das informações obtidas com base em seus comandos. O que ocorreria não seria propriamente a quebra de sigilo, mas a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco. Nessa transmutação, inexistiria qualquer distinção entre uma e outra espécie de sigilo que pudesse apontar para uma menor seriedade do sigilo fiscal em face do bancário. Ao contrário, os segredos impostos às instituições financeiras — muitas das quais de natureza privada — se manteria, com ainda mais razão, com relação aos órgãos fiscais integrantes da Administração Pública, submetidos à mais estrita legalidade.


Sigilo e fiscalização tributária - 5
O Plenário destacou que, em síntese, a LC 105/2001 possibilitara o acesso de dados bancários pelo Fisco, para identificação, com maior precisão, por meio de legítima atividade fiscalizatória, do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte. Não permitiria, contudo, a divulgação dessas informações, resguardando-se a intimidade e a vida íntima do correntista. E esse resguardo se tornaria evidente com a leitura sistemática da lei em questão. Essa seria, em verdade, bastante protetiva na ponderação entre o acesso aos dados bancários do contribuinte e o exercício da atividade fiscalizatória pelo Fisco. Além de consistir em medida fiscalizatória sigilosa e pontual, o acesso amplo a dados bancários pelo Fisco exigiria a existência de processo administrativo — ou procedimento fiscal. Isso por si, já atrairia para o contribuinte todas as garantias da Lei 9.784/1999 — dentre elas, a observância dos princípios da finalidade, da motivação, da proporcionalidade e do interesse público —, a permitir extensa possibilidade de controle sobre os atos da Administração Fiscal. De todo modo, por se tratar de mero compartilhamento de informações sigilosas, seria mais adequado situar as previsões legais combatidas na categoria de elementos concretizadores dos deveres dos cidadãos e do Fisco na implementação da justiça social, a qual teria, como um de seus mais poderosos instrumentos, a tributação. Nessa senda, o dever fundamental de pagar tributos estaria alicerçado na ideia de solidariedade social. Assim, dado que o pagamento de tributos, no Brasil, seria um dever fundamental — por representar o contributo de cada cidadão para a manutenção e o desenvolvimento de um Estado que promove direitos fundamentais —, seria preciso que se adotassem mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal. No entanto, a Corte ressaltou que os Estados-Membros e os Municípios somente poderiam obter as informações previstas no art. 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria de forma análoga ao Decreto 3.724/2001, observados os seguintes parâmetros: a) pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado; b) prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos, garantido o mais amplo acesso do contribuinte aos autos, permitindo-lhe tirar cópias, não apenas de documentos, mas também de decisões; c) sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico; d) existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com o registro de acesso; e, finalmente, e) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios. Já quanto à impugnação ao art. 1º da LC 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, o Tribunal asseverou que os dispositivos seriam referentes ao sigilo imposto à Receita Federal quando essa detivesse informações sobre a situação econômica e financeira do contribuinte. Os preceitos atacados autorizariam o compartilhamento de tais informações com autoridades administrativas, no interesse da Administração Pública, desde que comprovada a instauração de processo administrativo, no órgão ou entidade a que pertencesse a autoridade solicitante, destinado a investigar, pela prática de infração administrativa, o sujeito passivo a que se referisse a informação.

Sigilo e fiscalização tributária - 6
A Corte asseverou que, no ponto, mais uma vez o legislador teria se preocupado em criar mecanismos que impedissem a circulação ou o extravasamento das informações relativas ao contribuinte. Diante das cautelas fixadas na lei, não haveria propriamente quebra de sigilo, mas sim transferência de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública. Em relação ao art. 3º, § 3º, da LC 105/2001 — a determinar que o Banco Central do Brasil (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) forneçam à Advocacia-Geral da União (AGU) “as informações e documentos necessários à defesa da União nas ações em que seja parte” —, ressaltou que essa previsão seria prática corrente. Isso se daria porque, de fato, os órgãos de defesa da União solicitariam aos órgãos federais envolvidos em determinada lide informações destinadas a subsidiar a elaboração de contestações, recursos e outros atos processuais. E de nada adiantaria a possibilidade de acesso dos dados bancários pelo Fisco se não fosse possível que essa utilização legítima fosse objeto de defesa em juízo por meio do órgão por isso responsável, a AGU. Por fim, julgou parcialmente prejudicada uma das ações, relativamente ao Decreto 4.545/2002. O Ministro Roberto Barroso reajustou seu voto para acompanhar o relator. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que conferiam interpretação conforme aos dispositivos legais atacados, de modo a afastar a possibilidade de acesso direto aos dados bancários pelos órgãos públicos, vedado inclusive o compartilhamento de informações. Este só seria possível, consideradas as finalidades previstas na cláusula final do inciso XII do art. 5º da CF, para fins de investigação criminal ou instrução criminal. Nesse sentido, a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs (CF, art. 58, § 3º), pressuporia, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporia à instituição financeira o dever de fornecer à Administração Tributária, ao Ministério Público, à Polícia Judiciária ou, ainda, ao TCU, as informações que lhe tivessem sido solicitadas.


REPERCUSSÃO GERAL

Fornecimento de informações financeiras ao fisco sem autorização judicial - 5
O art. 6º da LC 105/2001 não ofende o direito ao sigilo bancário, porque realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. Por sua vez, a Lei 10.174/2001 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN. Esse o entendimento do Plenário, que em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a constitucionalidade — frente ao parâmetro do sigilo bancário — do acesso aos dados bancários por parte de autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sem autorização judicial, nos termos dispostos pela LC 105/2001. Debatia-se, ainda, se haveria afronta ao princípio da irretroatividade das leis, quando esses mecanismos são empregados para a apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPMF, cujos fatos geradores tenham ocorrido em período anterior à vigência deste diploma legislativo — v. Informativo 814. O Colegiado afirmou não haver dúvidas de que o direito à privacidade ou mesmo à intimidade seriam direitos que teriam base fática e forte conteúdo jurídico. Significa dizer que seriam direitos passíveis de conformação. Não se trataria de pura condição restritiva, mas a própria lei poderia estabelecer determinadas delimitações. Esclareceu que a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, visando à Administração Tributária, não padeceria de nenhuma ilegalidade. Por outro lado, o art. 144, § 1º, do CTN imporia que qualquer método de apuração tributária entre em vigor imediatamente, o que afastaria a alegação de retroatividade. Na verdade, o tema ora em debate não seria quebra de sigilo, mas transferência de sigilo para finalidades de natureza eminentemente fiscal. A legislação aplicável garantiria fosse preservada a confidencialidade dos dados, vedado seu repasse a terceiros, estranhos ao próprio Estado, sob pena de responsabilização dos agentes que eventualmente praticassem essa infração. Assim, dados sigilosos de interesse fiscal somente poderiam ser acessados depois da instauração de competente processo administrativo, por ato devidamente motivado, nos moldes hoje preconizados pelo Decreto 3.724/2002, compreendidos os três níveis político-administrativos da Federação. Garante-se, ainda, a imediata notificação do contribuinte, a ele assegurado o acesso aos autos e o direito à extração de cópias de quaisquer documentos ou decisões, para que possa exercer, a todo o tempo, o controle jurisdicional dos atos da Administração, nos termos da Lei 9.784/1999. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que davam provimento ao recurso. Para o Ministro Celso de Mello, a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs (CF, art. 58, § 3º), pressuporia, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se poderia impor à instituição financeira o dever de fornecer à Administração Tributária, ao Ministério Público ou, ainda, à Polícia Judiciária as informações que lhe tenham sido solicitadas.





Fonte: STF

Informativo 814 STF - 10 a 19 de fevereiro de 2016

PLENÁRIO

Sigilo e fiscalização tributária - 1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de normas federais que possibilitam a utilização, por parte da fiscalização tributária, de dados bancários e fiscais acobertados por sigilo constitucional, sem a intermediação do Poder Judiciário (LC 104/2001, art. 1º; LC 105/2001, artigos 1º, § 3º e 4º, 3º, § 3º, 5º e 6º; Decreto 3.724/2001; Decreto 4.489/2002; e Decreto 4.545/2002). O Ministro Dias Toffoli (relator) julgou improcedentes os pedidos formulados nas ações diretas, no que foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia e, em parte, pelo Ministro Roberto Barroso. O relator afirmou que, quanto à alegação de inconstitucionalidade da expressão “do inquérito ou”, contida no § 4º do art. 1º da LC 105/2001, a norma impugnada não cuidaria da transferência de informações bancárias ao Fisco, questão que estaria no cerne das ações diretas. Tratar-se-ia de norma referente à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito há muito se admitiria a quebra de sigilo bancário, quando presentes indícios de prática criminosa (AC 3.872 AgR/DF, DJe de 13.11.2015; HC 125.585 AgR/PE, DJe de 19.12.2014; Inq 897 AgR/DF, DJU de 24.3.1995). No que tange à impugnação dos artigos 5º e 6º da LC 105/2001, ponto central das ações diretas de inconstitucionalidade, haveria que se consignar a inexistência, nos dispositivos combatidos, de violação a direito fundamental, notadamente de ofensa à intimidade. Não haveria “quebra de sigilo bancário”, mas, ao contrário, a afirmação desse direito. Outrossim, seria clara a confluência entre os deveres do contribuinte — o dever fundamental de pagar tributos — e os deveres do Fisco — o dever de bem tributar e fiscalizar. Esses últimos com fundamento, inclusive, nos mais recentes compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesse sentido, para se falar em “quebra de sigilo bancário” pelos preceitos impugnados, necessário seria vislumbrar, em seus comandos, autorização para a exposição das informações bancárias obtidas pelo Fisco. A previsão de circulação dos dados bancários, todavia, inexistiria nos dispositivos questionados, que consagrariam, de modo expresso, a permanência no sigilo das informações obtidas com base em seus comandos. O que ocorreria não seria propriamente a quebra de sigilo, mas a ‘transferência de sigilo’ dos bancos ao Fisco. Nessa transmutação, inexistiria qualquer distinção entre uma e outra espécie de sigilo que pudesse apontar para uma menor seriedade do sigilo fiscal em face do bancário. Ao contrário, os segredos impostos às instituições financeiras — muitas das quais de natureza privada — se manteria, com ainda mais razão, com relação aos órgãos fiscais integrantes da Administração Pública, submetidos à mais estrita legalidade.



Sigilo e fiscalização tributária - 2
O relator destacou que, em síntese, a LC 105/2001 possibilitara o acesso de dados bancários pelo Fisco, para identificação, com maior precisão, por meio de legítima atividade fiscalizatória, do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte. Não permite, contudo, a divulgação dessas informações, resguardando-se a intimidade e a vida íntima do correntista. E esse resguardo se tornaria evidente com a leitura sistemática da lei em questão. Essa seria, em verdade, bastante protetiva na ponderação entre o acesso aos dados bancários do contribuinte e o exercício da atividade fiscalizatória pelo Fisco. Além de consistir em medida fiscalizatória sigilosa e pontual, o acesso amplo a dados bancários pelo Fisco exigiria a existência de processo administrativo — ou procedimento fiscal. Isso por si, já atrairia para o contribuinte todas as garantias da Lei 9.784/1999 — dentre elas, a observância dos princípios da finalidade, da motivação, da proporcionalidade e do interesse público —, a permitir extensa possibilidade de controle sobre os atos da Administração Fiscal. De todo modo, por se tratar de mero compartilhamento de informações sigilosas, seria mais adequado situar as previsões legais combatidas na categoria de elementos concretizadores dos deveres dos cidadãos e do Fisco na implementação da justiça social, a qual teria, como um de seus mais poderosos instrumentos, a tributação. Nessa senda, o dever fundamental de pagar tributos estaria alicerçado na ideia de solidariedade social. Assim, dado que o pagamento de tributos, no Brasil, seria um dever fundamental — por representar o contributo de cada cidadão para a manutenção e o desenvolvimento de um Estado que promove direitos fundamentais —, seria preciso que se adotassem mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal. Já quanto à impugnação ao art. 1º da LC 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, o relator asseverou que os dispositivos seriam referentes ao sigilo imposto à Receita Federal quando essa detivesse informações sobre a situação econômica e financeira do contribuinte. Os preceitos atacados autorizariam o compartilhamento de tais informações com autoridades administrativas, no interesse da Administração Pública, desde que comprovada a instauração de processo administrativo, no órgão ou entidade a que pertencesse a autoridade solicitante, destinado a investigar, pela prática de infração administrativa, o sujeito passivo a que se referisse a informação.

Sigilo e fiscalização tributária - 3
O Ministro Dias Toffoli afirmou que, no ponto, mais uma vez o legislador teria se preocupado em criar mecanismos que impedissem a circulação ou o extravasamento das informações relativas ao contribuinte. Diante das cautelas fixadas na lei, não haveria propriamente quebra de sigilo, mas sim transferência de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública. Em relação ao art. 3º, § 3º, da LC 105/2001 — a determinar que o Banco Central do Brasil (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) forneçam à Advocacia-Geral da União (AGU) “as informações e documentos necessários à defesa da União nas ações em que seja parte” —, ressaltou que essa previsão seria prática corrente. Isso se daria porque, de fato, os órgãos de defesa da União solicitariam aos órgãos federais envolvidos em determinada lide informações destinadas a subsidiar a elaboração de contestações, recursos e outros atos processuais. E de nada adiantaria a possibilidade de acesso dos dados bancários pelo Fisco se não fosse possível que essa utilização legítima fosse objeto de defesa em juízo por meio do órgão por isso responsável, a AGU. Por fim, o relator julgou parcialmente prejudicada uma das ações, relativamente ao Decreto 4.545/2002. Já o Ministro Roberto Barroso conferiu interpretação conforme ao art. 6º da LC 105/2001, para estabelecer que a obtenção de informações nele prevista dependesse de processo administrativo devidamente regulamentado por cada ente da Federação. Dever-se-ia assegurar, como se daria com a União, por força da Lei 9.784/1999 e do Decreto 3.724/2001, no mínimo as seguintes garantias: a) notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos; b) sujeição do pedido de acesso a superior hierárquico do requerente; c) existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com registro de acesso, d) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios. O Ministro Marco Aurélio conferiu interpretação conforme aos dispositivos legais atacados, de modo a afastar a possibilidade de acesso direto aos dados bancários pelos órgãos públicos, vedado inclusive o compartilhamento de informações. Este só seria possível, consideradas as finalidades previstas na cláusula final do inciso XII do art. 5º da CF, para fins de investigação criminal ou instrução criminal. Em seguida, o julgamento foi suspenso. Leia a íntegra do voto do relator na seção “Transcrições” deste Informativo.

REPERCUSSÃO GERAL

Fornecimento de informações financeiras ao fisco sem autorização judicial - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade — frente ao parâmetro do sigilo bancário — do acesso aos dados bancários por parte de autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sem autorização judicial, nos termos dispostos pela LC 105/2001 (“Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária”). Debate-se, ainda, se estaria coerente com a outorga constitucional, a Lei 10.174/2001 que, ao trazer nova redação do art. 11 da Lei 9.311/1996 (que instituiu a CPFM) permitiu que a Secretaria da Receita Federal, de posse das informações sobre a movimentação financeira de titulares de contas bancárias as utilizasse para a averiguação de divergências e, em face delas, instaurasse procedimento administrativo tendente à verificação da existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições, e o lançamento de crédito porventura existente. Pretende-se, assim, analisar se haveria afronta ao princípio da irretroatividade das leis, quando esses mecanismos são empregados para a apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPMF, cujos fatos geradores tenham ocorrido em período anterior à vigência deste diploma legislativo. Na espécie, Tribunal Regional Federal (recorrido) julgara legítima a ação administrativa, ausente o direito líquido e certo do contribuinte de ser dispensado, por ordem judicial, de exibir os documentos necessários para apurar créditos tributários.



Fornecimento de informações financeiras ao fisco sem autorização judicial -2
O Ministro Edson Fachin (relator), acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia conheceu do recurso e a este negou provimento. Ao discorrer sobre as premissas do sigilo bancário e os limites dos poderes fiscalizatórios da administração tributária, o relator assentou a aptidão do tributo para reduzir as desigualdades jurídicas, políticas e econômicas. Destacou que para a Carta, a tributação é instrumento para a produção da igualdade entre os cidadãos e, por esse motivo, se põe em um contexto de esfera pública mais ampla do que a estatalidade, em que se delibera e se decide sobre a arrecadação, a gestão e o dispêndio dos recursos públicos. Lembrou que a privacidade não foi genericamente garantida pela Constituição, uma vez que o constituinte optou por fórmula legislativa que tutelasse autonomamente os diversos direitos correlatos à integridade moral do sujeito de direitos. Ressaltou que o STF entende que o sigilo bancário encontra guarida constitucional no art. 5º, X, da CF, à luz de sua natureza de direito da personalidade. Portanto, do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário seria uma das expressões do direito de personalidade que se traduziria em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. Por sua vez, o fato de os tributos serem contributos indispensáveis a um destino em comum e próspero de todos os membros da comunidade politicamente organizada tem reflexos na questão da oponibilidade do sigilo bancário contra a administração tributária, porquanto limitaria o exercício do direito subjetivo à privacidade, na medida em que reputa ilegítimo fazer uso de segredo bancário com a finalidade de elidir os tributos devidos.

Fornecimento de informações financeiras ao fisco sem autorização judicial - 3
O relator frisou que o Brasil teria aderido a diversos tratados internacionais em matéria tributária voltados para trocas, automáticas ou a pedido, de informações fiscais entre mais de cem países signatários, notadamente a “Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal”; e a “Convenção para Troca Automática de Informação Financeira em Matéria Tributária”. Soma-se, ainda, a adesão do Brasil ao programa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a evitar os efeitos negativos da chamada concorrência fiscal entre Estados soberanos, especialmente no tocante aos “paraísos fiscais”. Todas essas medidas atenderiam aos esforços globais de combate à fraude fiscal internacional, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e paraísos fiscais, por meio do aprimoramento da transparência fiscal em relação às pessoas jurídicas e arranjos comerciais. Nesses termos, a identificação do patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte serviriam para a efetivação do princípio da capacidade contributiva, que estaria em risco de violação nas restritivas hipóteses autorizadoras de acesso da administração tributária às transações bancárias dos contribuintes. No campo da autonomia individual, o Poder Legislativo não teria desbordado dos parâmetros constitucionais ao estabelecer requisitos objetivos para a requisição de informação pela administração tributária às instituições financeiras. Exerceu sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, atentando-se no translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. O art. 6º da LC 105/2001 seria taxativo ao facultar o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras, somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso quando forem considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Demais disso, seu parágrafo único preconiza que “O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária”, sob pena de se aplicar o art. 198 do CTN (“Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”). Por fim, apontou que a alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/2001 não atrairia a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que tal norma se encerraria na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal. Assim, evidenciar-se-ia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o art. 144, § 1º do CTN (§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros”).

Fornecimento de informações financeiras ao fisco sem autorização judicial - 4
O Ministro Marco Aurélio, por seu turno, deu provimento ao recurso extraordinário, por vislumbrar o compartilhamento possível apenas nas finalidades previstas na cláusula final do inc. XII do art. 5º da CF. O legislador constituinte, ao cogitar da inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações, previra uma exceção, aquela decorrente de ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. O constituinte reputou, ainda, importante a atuação de órgão equidistante quanto a possível conflito de interesses, cujas decisões devem ser devidamente fundamentadas. Para o Ministro Marco Aurélio, a quebra do sigilo de dados bancários de forma linear, mediante comunicações automáticas tornaria vulnerável a privacidade do cidadão porquanto não se pode confundir sigilo com compartilhamento. Assim, a utilização dos mecanismos fiscalizatórios previstos na Lei 10.174/2001 (que alterou redação de artigo da norma que dispõe sobre a CPFM) ofende o princípio da irretroatividade das leis, quando empregados para apurar créditos relativos a tributos distintos da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF, cujos fatos geradores derivassem de período anterior à vigência deste diploma legislativo. Enfatizou a necessidade de se empregar mecanismos próprios, previstos na legislação, para afastar a sonegação e, quanto à cooperação mundial internacional há de ser harmônica com o arcabouço jurídico pátrio, sem o que ela não pode ser implementada. Em seguida, o julgamento foi suspenso.

TRANSCRIÇÕES

RELATOR: Ministro Dias Toffoli
VOTO: Conforme relatado, cuida-se de quatro ações diretas de inconstitucionalidade que possuem, como núcleo comum de impugnação, normas relativas ao fornecimento, pelas instituições financeiras, de informações bancárias de contribuintes à administração tributária sem a intermediação do Poder Judiciário (art. 3º, § 3º; art. 5º; art. 6º e art. 1º, § 3º, inciso VI, na parte em que remete aos arts. 5º e 6º, todos da Lei Complementar nº 105/2001, e aos Decretos nº 3.724/2001, nº 4.489/2002 e nº 4.545/2002).
Além desses dispositivos, foram impugnados o art. 1º, § 4º, expressão “do inquérito ou”, da Lei Complementar nº 105/2001, e o art. 1º da Lei Complementar nº 104/2001, na parte em que inseriu o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional), normas que permitem o fornecimento a autoridade administrativa de “informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”, para a utilização em processo administrativo instaurado com o fito de apurar a prática de infração administrativa.

1 - PREJUDICIALIDADE PARCIAL DA ADI Nº 2.859/DF
Inicialmente, observo que houve parcial perda de objeto da ADI nº 2.859/DF, em razão do exaurimento da eficácia jurídico-normativa do Decreto nº 4.545/2002. Esse decreto, que possuía apenas um artigo, estabelecia o seguinte: “a prestação de informações sobre operações financeiras, na forma estabelecida pela Secretaria da Receita Federal, em decorrência do disposto no § 2 º do art. 11 da Lei n º 9.311, de 24 de outubro de 1996, por parte das instituições financeiras, supre a exigência de que trata o Decreto nº 4.489, de 28 de novembro de 2002”. Ocorre que a Lei nº 9.311/1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), não está mais em vigência desde janeiro de 2008, conforme se depreende do art. 90, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -ADCT.
A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade por perda superveniente de objeto quando sobrevém a revogação da norma questionada. Nesse sentido: ADI nº 709/PR, Pleno, Relator o Ministro Paulo Brossard, DJ de 24/6/94; ADI nº 2.006/DF, Pleno, Relator o Ministro Eros Grau , DJ de 10/10/08; ADI nº 3.831/DF, Pleno, Relatora a Ministra Cármen Lúcia , DJ de 24/8/07; ADI nº 1.920/BA, Pleno, Relator o Ministro Eros Grau , DJ de 2/2/07; ADI nº 1.952/DF-QO, Pleno, Relator o Ministro Moreira Alves , DJ de 9/8/02 e ADI nº 520/MT, Pleno, Relator o Ministro Maurício Corrêa , DJ de 6/6/97.
Pelo exposto, encontra-se prejudicado o pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 4.545/2002.

2 - CONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO “DO INQUÉRITO OU” CONTIDA NO ART. 1º, § 4º, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001
Quanto à alegação de inconstitucionalidade da expressão “do inquérito ou”, contida no § 4º do art. 1º da Lei Complementar nº 105/2001, esclareço que a norma não cuida da transferência de informações bancárias ao Fisco, questão que está no cerne das ações diretas. Trata-se, conforme bem definiu a Advocacia-Geral da União e a Presidência da República, de norma referente à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito há muito se admite a quebra de sigilo bancário, quando presentes indícios de prática criminosa. Confira-se o teor da norma em análise:

“Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
(...)
§ 4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:
I – de terrorismo;
II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra o sistema financeiro nacional;
VI – contra a Administração Pública;
VII – contra a ordem tributária e a previdência social;
VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;
IX – praticado por organização criminosa.”

Carlos Alberto Habström aduz que a norma em tela evidentemente se refere à quebra do sigilo bancário para a apuração de crimes, destacando que os tribunais fixaram orientação no sentido da possibilidade de afastamento do sigilo no curso de inquéritos policiais (Comentários à Lei de Sigilo Bancário. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2009).
De fato, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, de longa data, admite a possibilidade de que seja decretada a quebra de sigilo bancário, não apenas no âmbito da ação judicial, mas também no curso do inquérito policial, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos. Nesse sentido, os seguintes julgados:

“PENAL. AFASTAMENTO DOS SIGILOS FISCAL E BANCÁRIO. REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA PROVA POR OUTROS MEIOS E LIMITAÇÃO TEMPORAL DA QUEBRA. INDÍCIOS APRESENTADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE DEMONSTRAM POSSÍVEL PAGAMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA A PARLAMENTAR. LEGITIMIDADE DA DECRETAÇÃO. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a autorização do afastamento dos sigilos fiscal e bancário deverá indicar, mediante fundamentos idôneos, a pertinência temática, a necessidade da medida, ‘que o resultado não possa advir de nenhum outro meio ou fonte lícita de prova’ e ‘existência de limitação temporal do objeto da medida, enquanto predeterminação formal do período’ (MS 25812 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, publicado em DJ 23-2-2006). 2. No caso, o pedido de afastamento dos sigilos fiscal e bancário encontra-se embasado, em síntese, em declarações feitas no âmbito de colaboração premiada, em depoimento prestado por pessoa supostamente envolvida nos fatos investigados e em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Os elementos até então colhidos indicavam possível pagamento de vantagem indevida a parlamentar em troca de influência supostamente exercida no âmbito da Petrobras, mostrando-se necessária e pertinente a decretação da medida postulada para que fossem esclarecidos os fatos investigados. Solicitação que, ademais, estava circunscrita a pessoas físicas em tese vinculadas aos fatos investigados, com CPF definidos, e limitavam-se a lapso temporal correspondente ao tempo em que teriam ocorridos os supostos repasses. 3. Agravos regimentais a que se nega provimento” (AC 3.872/DF-AgR, Relator o Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe de 13/11/15).

“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. SIGILOS FISCAL E BANCÁRIO. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO AGRAVADA. INVIABILIDADE JURÍDICA. IMPETRAÇÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não é cabível habeas corpus contra decisão proferida em recurso ordinário em habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça. 2. Os Agravantes têm o dever de impugnar, de forma específica, todos os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não provimento do agravo regimental. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que os sigilos bancário e fiscal são relativos e podem ser quebrados, observado o devido processo legal. 4. Verificada na espécie a indispensabilidade da quebra do sigilo, sendo apresentadas razões de relevante interesse público e exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades, o sigilo não pode prevalecer, impondo-se a medida excepcional, como exposto nas instâncias antecedentes. 5. Para decidir de forma diversa e concluir pela ‘inutilidade processual’ das provas obtidas pela quebra dos sigilos bancário e fiscal seria necessário o reexame de fatos e provas, ao que não se presta o habeas corpus. 6. Agravo Regimental não provido” (HC 125.585/PE-AgR, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 19/12/14).

“INQUERITO. AGRAVO REGIMENTAL. SIGILO BANCARIO. QUEBRA. AFRONTA AO ARTIGO 5.-X E XII DA CF: INEXISTÊNCIA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CONTRADITORIO. NÃO PREVALECE. I - A quebra do sigilo bancario não afronta o artigo 5.-X e XII da Constituição Federal (Precedente: PET.577). II - O princípio do contraditório não prevalece na fase inquisitória (HHCC 55.447 e 69.372; RE 136.239, inter alia). Agravo regimental não provido” (Inq 897-AgR, Relator o Ministro Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJ de 24/3/95).

Pelo exposto, é constitucional a expressão “do inquérito ou”, constante do § 4º do art. 1º da Lei Complementar nº 105/2001.

3 - CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 5º E 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001 E DOS DECRETOS Nº 3.724/2001 e Nº 4.489/2002
No que tange à impugnação dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 105, ponto central das ações diretas de inconstitucionalidade, insta destacar que o tema já foi objeto de questionamento perante esta Corte em duas significativas ocasiões.
A primeira delas, no julgamento da AC 33/PR. Nesses autos, em que o Plenário findou por não referendar a medida liminar inicialmente concedida, se iniciou profícuo debate entre os membros desta Corte acerca da oponibilidade do sigilo bancário ao Fisco, em face das disposições constantes da LC nº 105/01. O julgado restou assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA (PODER GERAL DE CAUTELA). REQUISITOS. AUSÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. REFERENDO DE DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 21, V DO RISTF). CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DADOS BANCÁRIOS PROTEGIDOS POR SIGILO. TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS DA ENTIDADE BANCÁRIA AO ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. LEI 10.174/2001. DECRETO 3.724/2001. A concessão de tutela de urgência ao recurso extraordinário pressupõe a verossimilhança da alegação e o risco do transcurso do tempo normalmente necessário ao processamento do recurso e ao julgamento dos pedidos. Isoladamente considerado, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema é insuficiente para justificar a concessão de tutela de urgência a todo e qualquer caso. Ausência do risco da demora, devido ao considerável prazo transcorrido entre a sentença que denegou a ordem e o ajuizamento da ação cautelar, sem a indicação da existência de qualquer efeito lesivo concreto decorrente do ato tido por coator (21.09.2001 – 30.06.2003). Medida liminar não referendada. Decisão por maioria” (AC 33/PR-MC, Relator o Ministro Marco Aurélio, Relator para o acórdão o Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe de 10/2/11).

Os debates se aprofundaram na apreciação do RE nº 389.808/PR, também de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, o qual recebeu a seguinte ementa:

“SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte”.(RE 389.808/PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/11).

Segundo a posição que prevaleceu na Corte, por maioria, o acesso pelo Fisco dos dados bancários do contribuinte constituía matéria sujeita à reserva de jurisdição. Alguns posicionamentos sintetizam a conclusão obtida.
O Ministro Marco Aurélio, Relator do feito, salientou que, nos autos da Pet nº 3.898, ficou assentado que “nem mesmo o Ministro de Estado da Fazenda poderia ter acesso a dados bancários de certo cidadão – individualizado”, e rememorou Sua Excelência que a Receita Federal é órgão subordinado ao Ministério da Fazenda. Apontou, ainda, que a Corte, nos autos do RE nº 461.366-2/DF, não reconheceu ao Banco Central, órgão com atuação fiscalizadora, a possibilidade de acessar dados de correntista, e categorizou a Receita Federal como órgão “fiscalista por excelência”, o que a afastaria, ainda mais, do acesso aos dados bancários dos contribuintes.
O Ministro Celso de Mello destacou que o sigilo bancário possui assento constitucional, pois protege a esfera de intimidade financeira das pessoas e se manifestou no sentido de que “a pretensão estatal voltada à disclosure das operações financeiras constitui fator de grave ruptura das delicadas relações - já estruturalmente tão desiguais - existentes entre o Estado e o indivíduo”.
O Ministro Cezar Peluso, por seu turno, salientou que essa conclusão “em nada prejudica a administração pública, que pode, fundamentadamente, requerer ao Poder Judiciário, que lhe franqueará acesso aos dados de que precise”.
Por outro lado, iniciei a divergência, para destacar que o § 1º do art. 145 da CF/88 dispõe, em síntese, que a administração tributária poderá “identificar, respeitados os direitos e garantias individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. E concluí que a lei em questão se mostrava consentânea com os direitos dos cidadãos, uma vez que previa a manutenção do sigilo.
No mesmo sentido, votou a Ministra Cármen Lúcia – que se manifestou pela ausência de quebra da privacidade, “uma vez que não [se] está autorizado por lei a dar a público, mas apenas a transferir para um outro órgão da administração, para o cumprimento das finalidades da Administração Pública, aqueles dados”. Também na mesma direção, se posicionou o Ministro Ayres Britto, que destacou:

“[A] conjugação do inciso XII com o inciso X da Constituição abona a tese de que o que se proíbe não é o acesso a dados, mas a quebra do sigilo, é o vazamento do conteúdo de dados. É o vazamento, é a divulgação. E, no caso, as leis de regência, ao falar das transferências de dados sigilosos, é evidente que elas impõem ao órgão destinatário desses dados a cláusula da confidencialidade, cuja quebra implica a tipificação ou o cometimento de crime.”

Apontadas as distintas perspectivas em que se pôs, até aqui, a discussão do tema nesta Corte, tenho por relevante, nos presentes feitos, abordar em separado dois elementos que refletem, em essência, minha compreensão quanto ao tema: (i) a inexistência, nos dispositivos combatidos, de violação a direito fundamental (notadamente de violação à intimidade), pois não há “quebra de sigilo bancário”, mas, ao contrário, a afirmação daquele direito; e (ii) a confluência entre os deveres do contribuinte (o dever fundamental de pagar tributos) e os deveres do Fisco (o dever de bem tributar e fiscalizar), esses últimos com espeque, inclusive, nos mais recentes compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

A) MANUTENÇÃO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS: DO SIGILO BANCÁRIO AO SIGILO FISCAL.
Como salientei, mantenho o entendimento que em outras ocasiões já externei: para se falar em “quebra” de sigilo bancário pelos dispositivos impugnados, necessário seria vislumbrar, em seus comandos, autorização para a exposição das informações bancárias.
Consoante assinalou o Procurador-Geral da República em seu parecer, “a afronta à garantia do sigilo bancário, como dito, compreendida no âmbito de proteção do inciso X do artigo 5º da Carta da República, não ocorre com o simples acesso a esses dados, mas verdadeiramente com a circulação desses dados”.
A previsão de circulação dos dados bancários, todavia, inexiste nos dispositivos impugnados, que consagram, de modo expresso, a permanência do sigilo das informações obtidas com espeque em seus comandos. É o que expressam o § 5º do art. 5º e o parágrafo único do art. 6º. Vide a íntegra dos dispositivos citados:

“Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
§ 1º (...)
§ 2º (...)
§ 3º (...)
§ 4º Recebidas às informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.
§ 5º As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.
Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.”

Soma-se a isso o art. 10 da própria lei complementar, que estabelece que a divulgação de informações bancárias pelas instituições financeiras fora das hipóteses previstas na lei constitui crime, o qual é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa. Além disso, a lei fixa, no art. 11, a responsabilização civil do servidor público que “utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar”, respondendo “pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial”.
A determinação de sigilo se estende, ainda, pela legislação tributária, apontada nos dispositivos questionados.
Observe-se que o Código Tributário Nacional, no art. 198, “[veda] a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.
Questiono, então: de que tratam todos esses dispositivos, senão do sigilo das informações? Na percuciente definição da eminente Ministra Ellen Gracie, exposta durante o julgamento da AC nº 33, “o que ocorre não é propriamente a quebra de sigilo, mas a ‘transferência de sigilo’ dos bancos ao Fisco. Os dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem protegidos pelo sigilo fiscal”.
Nessa transmutação, importa salientar que inexiste qualquer distinção entre uma e outra espécie de sigilo que possa apontar para uma menor seriedade do sigilo fiscal em face do bancário. Ao contrário, os segredos impostos às instituições financeiras (muitas das quais, de natureza privada), se mantêm, com ainda mais razão, com relação aos órgãos fiscais integrantes da Administração Pública, submetidos que são à mais estrita legalidade. Conforme apontei nos autos do RE nº 389.808/PR,

“não há que se considerar que um gerente de uma instituição privada, um caixa de um banco privado, seja mais responsável do que um auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, que tem todas as responsabilizações e pode perder o seu cargo se descumprir a lei. A maioria dos brasileiros faz movimentação bancária em bancos privados, com caixas de banco, funcionários de bancos, escriturários de bancos, gerentes de bancos tendo acesso total a essas movimentações. Todos com o dever de sigilo. O auditor da Receita Federal não tem responsabilidade? Tanto o caixa de banco que quebre o sigilo será penalizado quanto o auditor da Receita Federal do Brasil se o fizer.”.

Trata-se, desse modo, de uma transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo.
Note-se que, ao se dizer que há mera transferência de informações, não se está por desconsiderar a possibilidade de utilização dos dados pelo Fisco. Está-se, contudo, a dizer que essa utilização não desnatura o caráter sigiloso da movimentação bancária do contribuinte, e, dessa forma, não tem o condão de implicar violação de sua privacidade.
Para essa conclusão, vale recordar o real intuito da proteção constitucional à privacidade, prevista no art. 5º, X, da CF/88 (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”).
Na lição de Ada Pellegrini Grinover,

“[o] direito ao segredo ou o direito ao respeito da vida privada objetiva impedir que a ação de terceiro procure conhecer e descobrir aspectos da vida privada alheia; por outro lado, o direito à reserva ou direito à privacidade sucede o direito ao segredo, compreendendo a defesa da pessoa da divulgação de notícias particulares, embora legitimamente conhecidas pelo divulgador” (GRINOVER, apud ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Fiscal e Direito à Intimidade. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 43. PELLEGRINI, Ada. Liberdades Públicas e Processo Penal. São Paulo, 1976).

Nesse sentido, o conhecimento da notícia, do dado, da informação não implica, por si, que haja violação da privacidade, desde que: 1) não seja seguido de divulgação; 2) for do domínio apenas de quem legitimamente o detenha.
E é nisso que reside o chamado ‘sigilo fiscal’: o Fisco, é certo, detém ampla informação relativa “[a]o patrimônio, [a]os rendimentos e [à]s atividades econômicas do contribuinte” (art. 145, § 1º, da CF/88), e tem, em contrapartida, o dever de sobre ela silenciar (no sentido de não proceder à divulgação); permanecendo-lhe legítimo utilizar os dados para o fim de exercer os comandos constitucionais que lhe impõem a tributação.
E, enquanto a atividade do Fisco se desenvolver sob esses limites (sigilo e utilização devida), está respaldada pela previsão constitucional inserta no art. 145, § 1º, da CF/88:

“Art. 145. (...)
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”.

Ilustro a legitimidade do Fisco para deter a informação bancária dos contribuintes, retomando o que disse no julgamento do RE nº 389.808/PR: qual o conjunto maior de patrimônio que detém o cidadão? Seus bens, que são – por imposição legal, não por ordem judicial – obrigatoriamente declarados à Secretaria da Receita Federal do Brasil.
E, se a Receita Federal já detém o conjunto maior, que corresponde à declaração do conjunto total de nossos bens, por que ela não poderia ter acesso – também sem autorização judicial e desde que “respeitados os direitos individuais” – ao conjunto menor?
Em síntese, tenho que o que fez a LC 105/01 foi possibilitar o acesso de dados bancários pelo Fisco, para identificação, com maior precisão, por meio de legítima atividade fiscalizatória, do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte, sem permitir, contudo, a divulgação dessas informações, resguardando-se a intimidade e a vida íntima do correntista.
Esse resguardo se torna evidente com a leitura sistemática da LC nº 105/01, em verdade, bastante protetiva na ponderação entre o acesso aos dados bancários do contribuinte e o exercício da atividade fiscalizatória pelo Fisco.
O primeiro elemento que evidencia esse conjunto protetivo do cidadão é o sigilo fiscal: conforme já mencionado neste voto, os dados obtidos perante as instituições financeiras são mantidos em sigilo (art. 5º, § 5º, e art. 6º, parágrafo único), tanto que os servidores responsáveis por eventual extravasamento dessas informações devem ser responsabilizados administrativa e criminalmente (arts. 10 e 11).
Em seguida, pode-se observar o desenvolvimento paulatino da atuação fiscalizatória, que se inicia com meios menos gravosos ao contribuinte: é que a natureza das informações acessadas pelo Fisco na forma do art. 5º da lei complementar é, inicialmente, bastante restrita, limitando-se, conforme dispõe o seu § 2º, à identificação dos “titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, sendo vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados”.
Perceba-se, pois, que, com base nesse dispositivo, a Administração tem acesso apenas a dados genéricos e cadastrais dos correntistas. Essas informações obtidas na forma do art. 5º da LC são cruzadas com os dados fornecidos anualmente pelas próprias pessoas físicas e jurídicas via declaração anual de imposto de renda, de modo que tais informações já não são, a rigor, sigilosas.
Apenas se, no cotejo dessas informações, forem “detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos” (§ 4º do art. 5º).
Em tal caso, para o exame mais acurado das informações financeiras por autoridades e agentes fiscais tributários, a LC 105, em seu art. 6º, traça requisitos rigorosos, uma vez que requer: a existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, bem como a inexistência de outro meio hábil para esclarecer os fatos investigados pela autoridade administrativa.
Além, portanto, de consistir em medida fiscalizatória sigilosa e pontual, o acesso amplo a dados bancários pelo Fisco requer a existência de processo administrativo (ou procedimento fiscal), o que, por si, atrai, ainda, para o contribuinte, todas as garantias da Lei nº 9.784/99 – dentre elas, a observância dos princípios da finalidade, da motivação, da proporcionalidade e do interesse público (art. 2º, caput, da Lei 9.784/99) –, a permitir extensa possibilidade de controle sobre os atos da Administração Fiscal.
O mesmo se diga quanto aos decretos regulamentadores dos arts. 5º e 6º da LC nº 105/01 (Decretos nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e nº 4.489, de 28 de novembro de 2009), que tão somente densificaram essas previsões normativas, com reforço ao dever de sigilo já imposto na lei complementar.
Percebe-se, pois, a impropriedade do argumento dos autores destas ações de que a Lei Complementar 105/2001, e seus decretos regulamentadores, promoveriam uma “devassa” na vida financeira dos contribuintes. Ao contrário, foram respeitados os direitos e as garantias individuais dos contribuintes, exatamente como determina o art. 145, § 1º, da Constituição Federal, atendendo, destarte, ao princípio da razoabilidade.
Tenho, por tudo quanto foi exposto, que os arts. 5º e 6º da LC nº 105/01, além de não violarem qualquer garantia constitucional, representam o próprio cumprimento dos comandos constitucionais direcionados ao Fisco, bem como dos comandos dirigidos aos cidadãos, na relação tributária que os une. É o que passo a expor.

B) A CONFLUÊNCIA ENTRE OS DEVERES DO CONTRIBUINTE (O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS) E OS DEVERES DO FISCO (O DEVER DE BEM TRIBUTAR E FISCALIZAR)
Por se tratar de mero compartilhamento de informações sigilosas, seria mais adequado situar as previsões legais combatidas na categoria de elementos concretizadores dos deveres dos cidadãos e do Fisco na implementação da justiça social, a qual tem, como um de seus mais poderosos instrumentos, a tributação.
A solução do presente caso perpassa, portanto, pela compreensão de que, no Brasil, o pagamento de tributos é um dever fundamental.
A propósito do tema, vale destacar, por seu pioneirismo, a obra do jurista português José Casalta Nabais. No livro “O Dever Fundamental de Pagar Impostos”, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra demonstra, em síntese, que, no Estado contemporâneo – o qual é, essencialmente, um Estado Fiscal, entendido como aquele que é financiado majoritariamente pelos impostos pagos por pessoas físicas e jurídicas – pagar imposto é um dever fundamental.
Na doutrina brasileira, vale mencionar os estudos de Marciano Buffon, que, se debruçando sobre a conceito em referência, destacou a importância do dever fundamental de pagar tributos numa sociedade que se organiza sob as características do Estado Social – como é o caso do Brasil –, pois, nesse modelo, o Estado tem o dever de assegurar a todos uma existência digna, o que pressupõe a concretização de direitos sociais, econômicos e culturais do cidadão, por meio da prestações que demandam recursos públicos. O autor disserta:

“Enfim, não se faz necessário um profundo esforço intelectual para se compreender a importância do dever fundamental de pagar tributos, pois sem ele a própria figura do Estado resta quase inviabilizada, uma vez que não é possível pensar uma sociedade organizada sem que existam fontes de recursos para financiar o ônus dessa organização, exceto se o exemplo pensado for uma sociedade na qual os bens de produção estejam concentrados nas mãos do próprio Estado.
Esse dever fundamental se torna mais significativo quando a sociedade se organiza sob as características do denominado Estado Social, pois esse modelo tem como norte garantir a todos uma existência digna, e isso passa, especialmente, pela realização dos denominados direitos sociais, econômicos e culturais, o que demanda uma gama expressiva de recursos.
(…)
Dentro do modelo do Estado Social, a tributação ocupa um papel de fundamental importância, porque é esse modelo de Estado que tem o dever de assegurar os direitos fundamentais, sendo que tais direitos são mais necessários aos menos providos da capacidade de contribuir para com a coletividade” (BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. p. 91).

O tributo corresponde, pois, à contribuição de cada cidadão para a mantença do Estado e, consequentemente, para a realização de atividades que assegurem os direitos fundamentais – notadamente os direitos daqueles que possuem menos condições de contribuir financeiramente com o Estado.
Tendo isso em conta, José Casalta Nabais ressalta que o imposto não deve ser encarado como mero exercício de poder pelo Estado, ou como um sacrifício pelo cidadão, mas como “contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua própria ação (económico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento o seu verdadeiro suporte” (O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 679, grifo nosso).
Nesse quadro, evidencia-se a natureza solidária do tributo, o qual é devido pelo cidadão pelo simples fato de pertencer à sociedade, com a qual tem o dever de contribuir. O dever fundamental de pagar tributos está, pois, alicerçado na ideia de solidariedade social. Consoante aduz Marciano Buffon,

“o liame da solidariedade é o fundamento que justifica e legitima o dever fundamental de pagar tributos, haja vista que esse dever corresponde a uma decorrência inafastável de se pertencer a uma sociedade” (p. 99).

A ordem constitucional instaurada em 1988 estabeleceu, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Para tanto, a Carta foi generosa na previsão de direitos individuais, sociais, econômicos e culturais para o cidadão.
Ocorre que, correlatos a esses direitos, existem também deveres, cujo atendimento é, também, condição sine qua non para a realização do projeto de sociedade esculpido na Carta Federal. Dentre esses deveres, consta o dever fundamental de pagar tributos, visto que são eles que, majoritariamente, financiam as ações estatais voltadas à concretização dos direitos do cidadão.
Sendo o pagamento de tributos, no Brasil, um dever fundamental, por representar o contributo de cada cidadão para a manutenção e o desenvolvimento de um Estado que promove direitos fundamentais, é preciso que se adotem mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal.
Em 2015, a sonegação fiscal no país ultrapassou a marca dos R$ 420 bilhões, valor estimado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (SINPROFAZ) ainda no mês de outubro daquele ano, conforme noticiou o portal Estadão, em 22 de outubro de 2015. Segundo o editorial, esse valor equivale a 13 (treze) vezes o valor que o governo pretende arrecadar com a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.
Notícia publicada no portal Valor Econômico, em 9 de novembro de 2013, apontou que, segundo levantamento realizado pelo grupo internacional Tax Justice Network, com base em dados de 2011 do Banco Mundial, o Brasil só perde para a Rússia no ranking mundial da sonegação fiscal.
Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), em 2009, traçou um diagnóstico acerca da sonegação fiscal em nosso país, a qual já era expressiva à época, mas menor que nos dias atuais. As conclusões foram, em síntese, as seguintes:

“- Sonegação das empresas brasileiras vem diminuindo, mas ainda corresponde a 25% do seu faturamento;
- Em 2000 o índice de sonegação era de 32% e em 2004 era de 39%;
- Faturamento não declarado é de R$ 1,32 trilhão;
- Tributos sonegados pelas empresas somam R$ 200 bilhões por ano;
- Somados aos tributos sonegados pelas pessoas físicas, sonegação fiscal no Brasil atinge 9% do PIB;
- Cruzamento de informações, retenção de tributos e fiscalização mais efetiva são os principais responsáveis pela queda da sonegação;
- Contribuição Previdenciária (INSS) é o tributo mais sonegado, seguida do ICMS e do Imposto de Renda;
- Indícios de sonegação estão presentes em 65% das empresas de pequeno porte, 49% das empresas de médio porte e 27% das grandes empresas;
- Em valores, a sonegação é maior no setor industrial, seguido das empresas do comércio e das prestadoras de serviços;
- Com os novos sistemas de controles fiscais, em 5 anos o Brasil terá o menor índice de sonegação empresarial da América Latina e em 10 anos índice comparado ao dos países desenvolvidos.”

A sonegação fiscal gera uma série de consequências danosas para a sociedade.
A sonegação determina drástica redução da receita pública, o que impacta negativamente na prestação de serviços essenciais pelo Estado e, consequentemente, na concretização de direitos fundamentais sociais, tais como educação, saúde e assistência e previdência sociais. Quanto a esse aspecto, José Paulo Baltazar Junior assinala:

“De lembrar, nesse ponto, que vivemos em um Estado social de direito, e o interesse do Estado, ao tributar, não se esgota na arrecadação, mas transcende para a aplicação dos recursos auferidos, até mesmo para a concretização dos direitos fundamentais sociais, como a saúde, a educação, a assistência e a previdência sociais, os quais são direitos a prestações concretas, que demandam ação, e não mera omissão do estado e portanto, dependem da existência de recursos para a sua efetivação” (Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005).

Ademais, a prática em referência inviabiliza a concretização dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.
No estado fiscal, em que os cidadãos estão ligados por um liame de solidariedade, do qual decorre um dever de contribuir financeiramente para o funcionamento do Estado, o cidadão detém o direito de que todos os demais contribuintes paguem o tributo devido, de modo que haja uma distribuição justa dos encargos financeiros.
A sonegação fiscal subverte essa lógica, visto que, embora a arrecadação possa ser menor que a esperada, as necessidades de caixa do governo jamais diminuem, o que redunda em aumento da carga tributária.
Segundo expõe Joana Marta Onofre de Araújo, em dissertação de mestrado, a sonegação gera uma distribuição desigual da carga tributária, visto que os custos dessa prática tendem a ser redirecionados, vindo a recair sobre a classe de trabalhadores tributada na fonte (A legitimação do tributo como pressuposto para a concretização do Estado Social. Fortaleza, 2012).
Nesse cenário, importa destacar que o instrumento fiscalizatório instituído nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 se mostra de extrema significância ao efetivo combate à sonegação fiscal no país.
Consoante observou o Procurador-Geral da República, no parecer oferecido na ADI 4.010, cuja cópia foi juntada à ADI nº 2390, sem o mecanismo em referência, seria

“inviável à administração tributária aferir a real disponibilidade patrimonial e financeira do contribuinte. Num país continental, torna-se economicamente insustentável e até mesmo impossível equipar a administração tributária para fiscalizar todos os contribuintes em tempo real”.

A Ministra Cármen Lúcia, no julgamento do RE nº 389.808, também assinalou a necessidade do compartilhamento de dados bancários com o Fisco para que o Estado cumpra seu papel de agente fiscalizador:

“Também acho que não há como se dar cobro às finalidades do Estado, especialmente da Administração Fazendária, e até ao Direito Penal, nos casos em que precisa haver investigação e penalização, se não houver acesso a esses dados, que, de toda sorte, já são de conhecimento das instituições financeiras que nem Estado são.”

O entendimento aqui defendido é corroborado pelo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mencionado acima, que atestou que o cruzamento de informações é um dos principais responsáveis pela queda da sonegação, o que confirma a imprescindibilidade da aplicação das normas ora questionadas.
Outrossim, Saldanha Sanches e Taborda da Gama destacam que, nos sistemas em que o pagamento de impostos é baseado na declaração do próprio contribuinte, como é o caso do Imposto de Renda no Brasil, a impossibilidade de acesso às movimentações bancárias do cidadão equivale a estabelecer quase uma presunção absoluta da veracidade desta declaração, visto que não há outra forma de aferir a veracidade das informações (Sigilo bancário: crônica de uma morte anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes e GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal. Belo Horizonte: Fórum, 2001).
Ressalta-se, ainda, que o acesso às informações bancárias pela Administração é relevante não só para coibir os casos de sonegação fiscal, mas também para o combate às organizações criminosas, às fraudes do comércio exterior e às condutas caracterizadoras de concorrência desleal. Mais recentemente, tem-se mostrado instrumento essencial no combate à corrupção no país e aos crimes de lavagem de dinheiro, dentre tantos outros delitos.
Atente-se que o Brasil assumiu compromissos internacionais relativos à transparência e ao intercâmbio de informações financeiras para fins tributários e de combate à movimentação de dinheiro de origem ilegal no mundo.
Com efeito, o Brasil é membro do Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes), órgão criado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) no âmbito das ações voltadas ao combate à concorrência fiscal danosa gerada pelos paraísos fiscais.
Os motivos que levaram à criação do órgão remontam à elaboração pela OCDE, em 1988, do relatório denominado “Harmful Tax Competition - an Emerging Global Issue”. Esse relatório especificou as práticas observadas em determinados países que poderiam ser vistas como indícios de concorrência fiscal prejudicial, constando dentre elas a ausência de transparência e a restrição à obtenção de informações em nome do contribuinte.
Todos os países do G20 aderiram ao fórum global, que, atualmente, conta com 127 (cento de vinte e sete) membros, segundo informação do portal da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.
Em síntese, o Fórum estabelece padrões internacionais de transparência e de troca de informações na área tributária, com o fito de evitar o descumprimento de normas tributárias – especialmente por meio do combate aos paraísos fiscais –, assim como o cometimento de atos ilícitos, por pessoas ou empresas, por meio de transações internacionais. A partir desses padrões, o Fórum monitora o nível de transparência desses países em matéria fiscal.
No âmbito do Fórum, a avaliação do nível de transparência dos países ocorre por meio de um processo de revisão pelos pares (peer review), o qual é dividido em duas fases. Na fase 1, é avaliada a estrutura das leis e da regulação de cada jurisdição associada ao Fórum, a fim de verificar sua compatibilidade aos padrões internacionais de transparência estabelecidos no termo de referência. Na fase 2, analisa-se a implementação prática dos instrumentos indicados na fase anterior. São avaliados a) se a informação é disponível e acessível pelas autoridades na prática; e b) se a informação é realmente compartilhada em tempo hábil.
Segundo informa o portal da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, o Brasil foi avaliado, quanto à fase 1, no 1º semestre de 2011, e quanto à fase 2, teve relatório aprovado em julho de 2013. A partir de 2016, os países serão reavaliados, estando a reavaliação do Brasil prevista para 2018.
Em julho de 2014, foi desenvolvido um padrão global para o intercâmbio automático de informações para fins tributários (Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters), o qual insta as jurisdições a obter informações perante instituições financeiras e disponibilizá-las automaticamente a outras jurisdições anualmente, conforme definição obtida no portal da OCDE:

“G20 Leaders at their meeting in September 2013 fully endorsed the OECD proposal for a truly global model for automatic exchange of information and invited the OECD, working with G20 countries, to develop such a new single standard for automatic exchange of information, including the technical modalities, to better fight tax evasion and ensure tax compliance.
The Standard, developed in response to the G20 request and approved by the OECD Council on 15 July 2014, calls on jurisdictions to obtain information from their financial institutions and automatically exchange that information with other jurisdictions on an annual basis. It sets out the financial account information to be exchanged, the financial institutions required to report, the different types of accounts and taxpayers covered, as well as common due diligence procedures to be followed by financial institutions.”

O Brasil se comprometeu, perante o G20 e o Fórum Global, a adotar esse padrão a partir de 2018, de modo que não deve o Estado brasileiro prescindir do acesso automático aos dados bancários dos contribuintes por sua administração tributária, sob pena, inclusive, de descumprimento de seus compromissos internacionais.
Destaco que na VI Cúpula do BRICS, ocorrida em julho de 2014, o Brasil renovou o compromisso de cooperação nos foros internacionais voltados ao intercâmbio de informações em matéria tributária, conforme consta do item 17 da Declaração de Fortaleza:

“17. Acreditamos que o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico serão facilitados pela tributação dos rendimentos gerados nas jurisdições onde a atividade econômica transcorre. Manifestamos nossa preocupação com o impacto negativo da evasão tributária, fraude transnacional e planejamento tributário agressivo na economia global. Estamos cientes dos desafios criados pelo planejamento tributário agressivo e práticas de não cumprimento de normas. Afirmamos, portanto, nosso compromisso em dar continuidade a um enfoque cooperativo nas questões relacionadas à administração tributária e aprimorar a cooperação nos foros internacionais devotados à questão da erosão da base tributária e intercâmbio de informação para efeitos tributários. Instruímos também nossas autoridades competentes a explorar formas de reforçar a cooperação na área aduaneira.”

Esses movimentos de cooperação internacional para a troca de informações para fins tributários evidenciam que o compartilhamento de informações financeiras dos contribuintes com as administrações tributárias é uma tendência internacional.
De fato, conforme esclarece Carlos Alberto Habström, a previsão do art. 5º da LC 105/2001 não é uma inovação do Direito Brasileiro, visto que normas semelhantes foram adotadas, por exemplo, nos Estados Unidos, na Argentina, na Itália, na Espanha e na Austrália:

“A justificativa do projeto de lei que resultou neste artigo da LC 105 oferece, como se verá adiante, informações sobre a legislação norte-americana que efetivamente exige dos bancos, dentre outras coisas, a comunicação à administração tributária (no caso à repartição do imposto sobre a renda, o Internal Revenue Service), mensalmente, das operações superiores a dez mil dólares.
Exigência semelhante foi adotada pela Argentina, há alguns anos, mediante lei que obrigou os bancos a comunicarem à Direción General Impositiva (DGI), órgão equivalente à Receita Federal, todas as operações de valor superior a 12 mil dólares.
Na Itália, uma extensa legislação, referente ao imposto sobre a renda e ao IVA (imposto de valor agregado), que começou a ser implantada em 1971, objetivando o combate à evasão fiscal e à lavagem de dinheiro, foi ampliando os poderes da chamada Amministrazione finanziaria e derrogando o segredo bancário. Com a aprovação da Lei nº 413, de 1991, que permitiu a requisição direta de informações e documentos aos bancos, independentemente de certos pressupostos e de formalidade anteriormente exigidas, chegou-se a falar em ‘abolição’ do segredo bancário. Nas palavras de Enrico Gianfelici (ob. cit. p. 177), as mudanças introduzidas pela nova lei importam verdadeira eliminação do segredo bancário perante a Administração tributária, sob o argumento de ser necessário evitar-se que o instituto se transformasse em proteção para a evasão fiscal e para a criminalidade econômica: (….).
O mesmo se poderia dizer da legislação espanhola, adiante mencionada.
Na Austrália, a lei denominada Financial Transiction Reports Act, de 1988, e legislação posterior, obriga as instituições financeiras a informarem a uma agência especializada (Australian Transacion Reports and Analysis Centre – AUSTRAC, equivalente ao COAF, no Brasil) operações relevantes em dinheiro – significant cash transactions, expressão que designa as operações de transferência de moeda (pagamentos, ordens de crédito, etc) em valor igual ou superior a dez mil dólares australianos. Às informações obtidas pelo AUTRAC podem ter acesso a administração tributária (Autralian Taxation Office), a agência alfandegária (Australian Customs Service), o Procurador-Geral do país, para fins de colaboração internacional, nos termos de lei específica (Mutual Assistence in Criminal Matters Act), e, ainda, outras autoridades (law enforcement agencies)” (Comentários à Lei de Sigilo Bancário. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2009).

O autor em referência observa que tais legislações se inserem num quadro que compreende não só o enfrentamento da evasão fiscal, mas também o combate a práticas criminosas que envolvem a circulação internacional de dinheiro de origem ilícita, tais como o narcotráfico, o crime organizado, a lavagem de dinheiro e o terrorismo.
Considerando o cenário internacional aqui exposto, fica claro que eventual declaração de inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar 105/2001 poderia representar um retrocesso de nosso país em matéria de combate à sonegação fiscal e a uma séria de crimes que envolvem a circulação internacional de dinheiro de origem ilícita.
Tenho, por tudo quanto abordado no presente tópico, que a atuação fiscalizatória traçada nos arts. 5º e 6º da LC nº 105/01 e em seus decretos regulamentadores (Decretos nº 3.724/2001 e nº 4.489/2002) não encerra inconstitucionalidade; ao contrário, retrata o pleno cumprimento dos comandos constitucionais e dos compromissos internacionais assumidos nessa seara pela República Federativa do Brasil.

4 - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 104/2001
Quanto à impugnação ao art. 1º da Lei Complementar 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, esclareço que os referidos dispositivos se referem ao sigilo imposto à Receita Federal quando essa detém informações sobre a situação econômica e financeira do contribuinte. Rememoro o teor dos dispositivos:

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.”

Os preceitos impugnados autorizam o compartilhamento de tais informações com autoridades administrativas, no interesse da Administração Pública, desde que comprovada a instauração de processo administrativo, no órgão ou entidade a que pertence a autoridade solicitante, destinado a investigar, pela prática de infração administrativa, o sujeito passivo a que se refere a informação.
Destaco que o § 2º exige a instauração de processo administrativo para esse compartilhamento (o que atrai o respectivo regramento), além de determinar que a entrega das informações seja feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, de modo a assegurar a preservação do sigilo.
Mais uma vez, o legislador preocupou-se em criar mecanismos que impedissem a circulação ou o extravasamento das informações relativas ao contribuinte. Nota-se, diante de tais cautelas da lei, que não há propriamente quebra de sigilo, mas sim transferência de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública.
Novamente estamos diante de um mecanismo voltado à satisfação do interesse público primário, visto que destinado à apuração de infrações administrativas.
Saliente-se que a previsão vai ao encontro de outros comandos legais já amplamente consolidados em nosso ordenamento jurídico que permitem o acesso da Administração Pública à relação de bens, renda e patrimônio de determinados indivíduos.
Começo por lembrar o art. 13, da Lei nº 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), que dispõe, em seu caput, que

“a posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente”; obrigação que, ressalte-se, será “anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.

A regulamentação desse dispositivo se deu por meio do Decreto nº 5483/05, que prevê, inclusive, a possibilidade de que os órgãos de controle interno da Administração Pública instaurem procedimento de sindicância patrimonial (ou requeiram sua instauração ao órgão ou autoridade competente) sempre que, na fiscalização das declarações apresentadas, identifique incompatibilidade patrimonial.
A Lei nº 8.730/93, de igual modo, estabelece a obrigatoriedade da apresentação de declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Note-se que a ordem alcança as seguintes autoridades e servidores:

“I - Presidente da República;
II - Vice-Presidente da República;
III - Ministros de Estado;
IV - membros do Congresso Nacional;
V - membros da Magistratura Federal;
VI - membros do Ministério Público da União;
VII - todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União.”

Observe-se que cópia da declaração de imposto de renda será remetida ao Tribunal de Contas da União (§ 2º, do art. 1º), que manterá registro dos dados e exercerá o controle da legalidade e da legitimidade desses bens e rendas. A não apresentação dessa declaração (ou a não autorização para que o TCU tenha acesso à Declaração Anual de Bens e Rendimentos apresentada à Receita Federal) implica, conforme seja a autoridade omissa:

“a) crime de responsabilidade, para o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado e demais autoridades previstas em lei especial, observadas suas disposições; ou
b) infração político-administrativa, crime funcional ou falta grave disciplinar, passível de perda do mandato, demissão do cargo, exoneração do emprego ou destituição da função, além da inabilitação, até cinco anos, para o exercício de novo mandato e de qualquer cargo, emprego ou função pública, observada a legislação específica.” (art. 3º, parágrafo único, a e b).

A rigor, portanto, já há uma ampla atuação da Administração Pública sobre a esfera de intimidade patrimonial dos seus agentes, justificada pela evidente necessidade de salvaguarda do patrimônio e do interesse públicos.
Trata-se, ademais, de normas intimamente relacionadas ao dever de ética e moralidade que deve pautar o exercício de cargos públicos. O art. 1º, da LC nº 104/01, ora combatido, segue nesse mesmo sentido, já que o acesso aos dados constantes do Fisco poderá ser requerido quando identificada infração administrativa, prática evidentemente contrária àqueles deveres.
Diante disso, reputo constitucional o art. 1º da Lei Complementar nº 104/2001 no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º no art. 198 do CTN.

5 - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 3º, § 3º, DA LC 105/2001
Por fim, o art. 3º, § 3º, da LC 105/2001, também impugnado neste conjunto de ações, prevê que o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários forneçam à Advocacia-Geral da União “as informações e documentos necessários à defesa da União nas ações em que seja parte”. Quanto a esse dispositivo, alega-se que ele violaria a igualdade processual entre as partes, por criar uma espécie de privilégio para a União.
Entendo, no entanto, ser esta uma interpretação equivocada do dispositivo. É que o acesso pelo Fisco aos dados e informações bancárias podem, legitimamente, resultar em notificações dos contribuintes e mesmo em lançamento tributário, situações em que, havendo pretensão resistida, a questão será judicializada. À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão da Advocacia-Geral da União, caberá à defesa da atuação do Fisco em âmbito judicial, sendo, para tanto, necessário o conhecimento dos dados e informações embasadores do ato por ela defendido.
Tal previsão, ressalte-se, já é prática recorrente: os órgãos de defesa da União solicitam aos órgãos federais envolvidos em determinada lide informações destinadas a subsidiar a elaboração de contestações, recursos e outros atos processuais. Conforme bem delineado por Carlos Alberto Habström:

“(...) Ora, nos termos daquela legislação, os órgãos jurídicos da Administração Federal estão, hoje – melhor dizendo, talvez, a partir da criação da AGU – estreitamente interligados. É como se formassem um grande departamento administrativo, com divisões ou seções especializadas.
Ora, a maioria das ações ajuizadas contra a União envolvem atos normativos ou administrativos de órgãos da administração direta e indireta, normalmente também integrantes do polo processual passivo. Na prática, como sabe quem quer que tenha algum conhecimento da máquina jurídica federal, em todos esses casos a defesa da União solicita aos órgãos envolvidos subsídios para as contestações.
É nesse contexto que se insere a norma ora comentada. Não há que falar, portanto, em transformação da União em ‘superparte’, privilegiada e avassaladora, caracterizando-se como um excesso de cautela ou de zelo do legislador.
Seja como for, exemplos de hipóteses de aplicação dessa norma são ações como aquelas decorrentes da implantação do PROER a da decretação de regimes especiais em instituições financeiras (liquidação extrajudicial, intervenção ou administração especial temporária).
De modo geral, em ações da espécie estarão em causa informações sobre atividades e operações do BC, da CMV e das instituições financeiras envolvidas. Só por exceção se pode pensar na necessidade de informações sobre operações realizadas por terceiros, sobretudo por clientes. Em princípio, informações dessa natureza só podem vir à tona mediante autorização judicial” (Comentários à Lei de Sigilo Bancário. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2009, p. 348).

De nada adiantaria a possibilidade de acesso dos dados bancários pelo Fisco se não fosse possível que essa utilização legítima fosse objeto de defesa em juízo por meio do órgão por isso responsável, a Advocacia-Geral da União, razão pela qual entendo que o art. 3º, § 3º, da LC 105/2001 é constitucional.

6 - CONCLUSÃO
Ante o exposto, conheço parcialmente da ADI nº 2.859/DF, para (i) julgar prejudicada a ação em relação ao Decreto nº 4.545/2002 e (ii) julgar improcedente a ação, declarando a constitucionalidade do art. 5º, caput e seus parágrafos, da Lei Complementar nº 105/2001.
Quanto às demais ações (ADI nºs 2390, 2397, e 2386), conheço das ações e as julgo improcedentes, declarando a constitucionalidade do 1º, § 3º, inciso VI, na parte em que remete aos arts. 5º e 6º; da expressão “do inquérito ou”, contida no art. 1º, § 4º; do art. 3º, § 3º; e dos arts. 5º e 6º, todos da Lei Complementar nº 105/2001; dos Decretos nº 3.724/2001 e nº 4.489/2002, que regulamentam, respectivamente, os arts. 6º e 5º da Lei Complementar nº 105/2001, e do art. 1º da Lei Complementar 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º no art. 198 do CTN.
É como voto.

*julgado pendente de conclusão

Fonte: STF